Esclarecimento sobre o ensino nos colégios com contrato de associação (LER +)

Tendo surgido ultimamente, nas mais diversas redes sociais e até em muitos órgãos de comunicação social, inúmeros comentários, opiniões, artigos jornalísticos, etc, sobre a legítima existência de escolas públicas não estatais (vulgo impróprio, “privadas”), pois todas as escolas prestam um serviço público, e do seu financiamento por parte do estado, chega-se à conclusão que uma boa parte das pessoas, e que vão fazendo a opinião pública, não está devidamente esclarecida sobre esta problemática e que, como tal, emite comentários ofensivos e opiniões sem qualquer fundamentação real e verdadeira e sem saber, na maioria das vezes, do que está a falar. Neste pressuposto, aqui se deixa este esclarecimento, que, estamos convencidos, muito vai ajudar a um diálogo sério e rigoroso sobre esta questão e que interessa a quem gosta de participar na gestão da “res - pública” .


1. A constituição portuguesa (artigos 43 e 67) contempla a existência de um ensino público estatal a par de um ensino público não estatal que brota da iniciativa dos cidadãos, admitindo assim alternativas democráticas de ensinar e aprender, que se concretizam em escolas com projectos educativos diferentes e na possibilidade dos pais, sempre que haja essa oportunidade, poderem optar livremente pelas mesmas. Aliás, outra coisa não seria de esperar de um país que se diz democrata e que tem a raiz da sua existência no respeito pelas opções livres dos cidadãos com vista ao bem comum.

2. Nesta base, para além do ensino público estatal, existem três tipos de escolas públicas não estatais:

• Escolas sem qualquer apoio do estado, em que os pais pagam integralmente o ensino dos seus filhos. Neste caso, os pais, que são contribuintes e alguns dos melhores, pagam duas vezes o ensino dos seus educandos, visto que não usufruem de qualquer benefício escolar dos impostos que pagam, sendo injustamente penalizados por não escolherem uma escola do estado. Pensamos ser a estas escolas que as pessoas chamam de “elite”, pois pressupõem que só os pais com grandes recursos financeiros lá metem os seus filhos.

• Escolas com “contrato simples” ou “patrocínio”, em que o estado participa com uma parte da verba necessária à frequência na escola pretendida, (variável de acordo com factores de ordem económica e social do agregado familiar) e os pais com o restante. Neste caso, a contribuição do estado, em média, é mínima, em muitos casos irrisória, tendo os pais que suportar o restante. Embora em menor escala que na situação anterior, também estas famílias são penalizadas por não optarem por uma escola estatal.

• Escolas com “contrato de associação”, resultante de legislação em vigor e de um acordo previamente negociado com o estado, em que este garante um ensino gratuito aos alunos que as frequentam, tal como acontece nas escolas estatais.

3. As escolas que neste momento estão na ordem do dia e têm levantado todo este protesto e agitação devido à alteração abrupta das “regras de jogo” por parte do ministério da educação, são as que estão abrangidas pelos “contratos de associação” e que, a manter-se o Decreto-lei 138–C/2010 e a Portaria 1324 – A/2010, há dias publicados e sem um debate esclarecedor na assembleia da república, ficarão inexoravelmente sujeitas à extinção, a curto prazo. É sobre estas que o esclarecimento vai incidir, retirando da mente de muita gente algumas inverdades, mitos e preconceitos.

4. A maioria destas escolas, noventa e três neste momento, ministra, há cerca de 30 anos, um ensino totalmente gratuito aos seus alunos, cerca de 60.000, (Ensino Regular; Cursos Profissionais; Cursos de Educação e Formação – CEF) não só por serem uma alternativa pedagógica e democrática à escola do estado, e isto é a base fundamental da sua existência, como prevê a constituição portuguesa, como também por estarem implantadas em zonas carenciadas de escolas estatais, muitas delas em zonas rurais e distantes das cidades.

5. Desde que se instituíram os “contratos de associação” (Decreto-lei 553/80) sempre fizeram parte da rede escolar pública, nacional ou das autarquias onde estão implantadas, e recebem os alunos da sua zona pedagógica e que as procuram, sem distinção de raça, cor, posição social, capacidade financeira ou outra qualquer, até ao limite da sua capacidade.

6. Não são escolas de “elite” ou “meninos ricos” como se tenta inconscientemente apregoar aos quatro ventos. A maioria está inserida em comunidades autárquicas em que uma grande parte das crianças e jovens que as frequentam pertence a famílias que estão no limite da carência e que vivem em locais onde, infelizmente, grassa o desemprego, a pobreza e a exclusão social.

7. Na grande maioria delas, uma percentagem alta de alunos, como facilmente se pode comprovar, beneficia de apoio extra da segurança social (escalão A,B,C) e da própria escola, que funciona, não poucas vezes, como “refeitório da pobreza” e do “acolhimento”, pois é na escola que muitos alunos têm a melhor refeição do dia, para alguns talvez a única decente, e se sentem apoiados e acolhidos.

8. Apesar das dificuldades, ministram um ensino de qualidade e têm contribuído muito para a melhoria da imagem do nosso ensino na Europa comunitária, sendo pioneiras em alguns melhoramentos do nosso sistema educativo. Elas desenvolvem as mais diversas actividades pedagógicas, didácticas e extra-curriculares, educando os seus alunos numa dimensão pessoal e social, tentando fazer deles cidadãos responsáveis, livres e eticamente bem formados.

9. Ao que foi dito no ponto anterior, acrescentemos a estabilidade do corpo docente, os projectos educativos bem definidos e atraentes, o atendimento personalizado, em que cada aluno não é um entre outros, mas tem apoio específico, o desenvolvimento da capacidade artística (música; teatro…) a segurança, a comodidade para os pais (os alunos entram na escola logo de manhã e saem ao cair da tarde), as instalações, o equipamento, o respeito que incutem nas relações dentro da comunidade educativa, os cursos que ministram, o sucesso avaliativo, o envolvimento dos pais nas suas actividades, etc, e teremos as razões pelas quais os pais as procuram, os alunos as estimam e os resultados aparecem.

10. Que se visitem e se faça uma análise à quase totalidade delas e veremos como facilmente chegaremos à conclusão de que é possível, neste país, gerir bem os recursos que são facultados pelo estado aos cidadãos e como é possível fazer “pequenos milagres” com um pouco do muito que outros sectores da vida pública esbanjam e sem resultados. Contra factos, difíceis são os argumentos, a não ser os da força!

11. Provado está que um aluno/ano, nestas escolas, embora se tente insinuar o contrário, fica bem mais barato aos cofres do estado. Dados da OCDE apontam para cerca de 1000 euros a menos. Não vale a pena andar com demagogias a desdizer algo que é objectivo. Além disso, o estado não construiu a estrutura de funcionamento da escola, nem a mantém em grande parte, ao contrário do que faz com as suas escolas, o que agrava ainda mais o custo aluno/ano nessas mesmas escolas. Das verbas atribuídas, as escolas com “contrato de associação” terão de custear os salários, pagar as despesas correntes, adquirir equipamentos, actualizar, fazer a manutenção das instalações, etc. Só uma gestão apertada, rigorosa e imaginativa, tem mantido estas escolas a funcionar normalmente e com sucesso.

12. Então, porquê este ataque sem precedentes, por parte do ministério da educação, a estas escolas, destabilizando e desassossegando, já com ano lectivo adiantado, as comunidades educativas, alunos, pais, educadores, autarquias, que, em vez de centrarem toda a sua atenção no motivo essencial da existência das escolas, o sucesso pedagógico e didáctico dos alunos, como nos pede o próprio ministério da educação, andam agora em protesto constante e com a revolta instalada no seu seio? Porquê, de forma mais clara ou “escondida”, asfixiar estas escolas? Não tem explicação e é uma aberração política e ideológica. Num país “normal”, em vez de se tentar destruir o que está bem, quem bem investe, aplica e rentabiliza o que a todos pertence, e apresenta resultados, porque não se incentiva, imita e mantém? Por este exemplo (quantos não serão noutras áreas sociais e económicas), fácil é verificar o porquê da nossa pobreza e do nosso atraso. São estas atitudes e mentalidades que nos levam e já levaram mais vezes, a situações económicas e sociais insustentáveis. E, pior, teimamos no erro!

13. Estas escolas são frequentemente inspeccionadas de forma minuciosa e de surpresa, por parte do ministério da educação, tendo o ministério, a todo o momento, a possibilidade de as penalizar, ou anular o “contrato de associação”. Nunca se negaram, ao longo destes 30 anos, a um diálogo com os diferentes governos e aos reajustes que as circunstâncias vão exigindo. Como tal, nada têm a esconder na justificação da aplicação das verbas que lhes são atribuídas.

14. O governo, sob o pretexto da crise económica, alterou de forma drástica e unilateral, pois não houve acordo com a Associação do Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), as regras que regiam os “contratos de associação”. Com esta alteração, pôs em causa a estabilidade e sobrevivência destas escolas, levando-as, caso a situação se mantenha, a uma lenta agonia. Esta alteração incide sobre três aspectos, todos eles interligados, com implicação mútua, e que não sobrevivem uns sem os outros:

• Reduz em cerca de 20%, já a partir de Janeiro e até ao final deste ano lectivo, e em cerca de 30%, a partir de Agosto do próximo ano lectivo, as verbas necessárias à gestão destas escolas. Mais grave, tinham-se estabelecido em Agosto passado as verbas destinadas ao funcionamento das escolas e elas projectaram o seu ano lectivo nessa base, e agora, a meio do ano, fazem-se estes cortes brutais, sem sentido, não honrando compromissos e impedindo que as escolas honrem os seus. Com estes cortes, muitas delas, a muito curto prazo e por falta de sustentação económica, nem para salários, ver-se-ão na necessidade de fechar (será isto que quer o governo?), deixando os seus alunos numa situação insustentável. Mais ainda, no próximo ano lectivo será atribuído a estas escolas um valor monetário por turma (cerca de 80.000 euros) bastante inferior ao que se vai atribuir às escolas estatais (cerca de 90.000 euros). Por outro lado, ao atribuir a mesma verba a todas escolas, mesmo às estatais, o ministério da educação não teve em conta as diferenças entre elas nos salários a atribuir e que variam de acordo com os escalões salariais dos educadores docentes e não docentes. Nunca esteve em causa o aceitar que tinha de haver cortes devido à grave situação económica do país e ninguém quer ficar de fora dos sacrifícios exigidos. Aliás sempre foi aceite como base de negociação, os 11%, percentagem referente aos cortes que ministério da educação sofreu no orçamento geral do estado e que será aplicada nas escolas estatais. Isto, foi muito mais que cortar, foi inviabilizar!

• Põe em causa a estabilidade das escolas, ao limitar a renovação dos “contratos de associação” por “ciclo de estudos. O governo entende, na sua vontade política e interpretando a lei “à sua maneira”, por “ciclo de estudos”, dois anos (5º e 6º). Esta atitude revela uma grande insensibilidade e um desconhecimento completo do que é a educação, do que é uma escola e do que é um projecto educativo. Fica a sensação/certeza, e não se pode ter outro pensamento, de que este procedimento é muito mais Ministério das Finanças do que Ministério da Educação. Como é possível concretizar qualquer projecto pedagógico e didáctico (em educação o tempo é sempre longo e a colheita muito distante da sementeira) em tão curto espaço de tempo? Que motivação e estabilidade terá qualquer escola que sabe que, de um momento para o outro, pode não ver o seu contrato renovado, interrompendo e não concretizando o seu projecto, deixando, ao mesmo tempo, toda a comunidade educativa numa situação precária de incerteza? Que confiança tem um pai em mandar um filho para uma escola, sabendo que, para o ano lectivo seguinte, a mesma não sabe se vai poder garantir as mesmas condições de gratuitidade de ensino ao seu educando? Que futuro tem uma escola assim? Que projecto educativo pode pôr em prática? Isto não é sério!

• Até agora, estas escolas faziam parte da rede escolar da zona onde estavam implantadas. Ao ameaçar retirá-las desta rede ou reduzir o número de turmas que lhes eram destinadas, o governo condena-as à morte, a curto e a médio prazo. O que o governo está a dizer é que primeiro enche as suas escolas (sobretudo as que aumentou ultimamente e sem necessidade) e se sobrarem alunos, porque ainda não há oferta estatal suficiente, eles irão para as escolas não estatais. É a famosa, indigna e tão apregoada supletividade. Por outras palavras, só se tolera a livre escolha dos pais e se aceitam princípios do regime democrático e da constituição, enquanto não houver escola estatal, depois, acaba-se a escolha, acaba-se a escola alternativa e acabam-se os princípios básicos de uma democracia. Porque razão se construíram escolas estatais e se aumentaram outras sem necessidade, aumentando a despesa pública, em locais onde já existiam escolas públicas estatais e não estatais mais que suficientes para a população escolar das comunidades onde estão radicadas? Três razões: promessas eleitorais; má gestão da rede escolar e dos dinheiros públicos; preconceitos e motivos ideológicos. Se há uma infra-estrutura escolar já montada, a funcionar bem e que responde às exigências e necessidades, para quê construir outra estrutura idêntica e desnecessária, mesmo ao lado, sobretudo quando a população escolar tem vindo a diminuir devido ao “envelhecimento” progressivo do tecido social? Não será melhor investimento e poupar muito dinheiro aos contribuintes, apoiar e incentivar o já existente? Só o despesismo eleitoralista, aliado aos preconceitos ideológicos contra tudo o que não seja “estado” a nível do ensino, podem explicar esta “morte anunciada” das escolas públicas não estatais.

15. Se queremos um ensino de qualidade e com menos despesismo, incentivemos e custeemos, controlando e investigando as despesas, sem medos e preconceitos, projectos educativos capazes e atraentes, estatais e não estatais, e veremos como tudo melhora, pois a sã competitividade e competência obrigam a usar a imaginação e a vestir a “camisola” de cada escola. Quem ganha com isto? Todos. Um país sem investimento capaz no ensino, qualificação e educação das suas crianças, que futuro tem? Nenhum!

16. Defender a não contribuição monetária do estado para com as famílias que não escolhem a escola estatal e que são contribuintes como todas as outras, colocando-as em flagrante desigualdade de oportunidade de opção, é defender um projecto educativo único, uma ideologia única, uma única forma de ensinar, aprender e educar. Isto não é de aceitar numa democracia e é um empobrecimento lastimável a todos os níveis.

17. No fundo, as escolas públicas não estatais e a sua urgente preservação, são um exemplo vivo, necessário e incontestável da nossa democracia, de que não queremos um projecto único para a educação e que a imposição do “livro único” e da mesma “cartilha”, tentação do Estado Novo e de outras ditaduras, actuais, ou recentemente abolidas, já lá vai e que valeu a pena o 25 de Abril de 1974.

Janeiro de 2011



João Teixeira

(professor do Instituto Nun’Alvres (Colégio das Caldinhas)